A transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Fazenda para o Ministério da Justiça e Segurança Pública dividiu a comunidade jurídica. Alguns especialistas acreditam que a mudança pode afetar a eficiência do órgão e atingir direitos fundamentais, como o sigilo bancário. Outros, porém, avaliam que a realocação da entidade pode melhorar o combate à corrupção.

A alteração – oficializada com a Medida Provisória 870/2019 e com o novo Estatuto do Coaf (Decreto 9.663/2019), publicado em edição extraordinária desta quarta-feira (2/1) do Diário Oficial da União – representa uma concentração excessiva de poderes e a possibilidade de “abusos irreparáveis aos direitos individuais consagrados na Constituição”, aponta o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo.

Em primeiro lugar porque a concentração excessiva de órgãos e funções no Ministério da Justiça dificulta sua gestão. “O gigantismo excessivo de unidades administrativas é um equívoco na perspectiva da sua eficiência”, diz Cardozo, que também foi advogado-geral da União.

Outro problema são os malefícios do acúmulo de poderes. “Em um Estado de Direito e republicano, essa concentração não é saudável, notadamente em áreas que se relacionam à necessidade de respeito aos direitos individuais. A tendência a se abusar do poder será algo sempre presente. A divisão funcional entre ministérios é uma maneira de se evitar essa concentração e eventuais praticas arbitrárias”.

Fora que entidades de diversos órgãos sempre atuaram de forma conjunta no combate à corrupção, como Coaf – no Ministério da Fazenda -, Polícia Federal – no Ministério da Justiça – e Controladoria-Geral da União – no Ministério da Transparência. Sendo assim, não há razão para se concentrar poder numa única pasta, avalia Cardozo.

“Não há, assim, sentido funcional e finalístico razoável nessa medida, além de representar a possibilidade de abusos irreparáveis aos direitos individuais consagrados na Constituição. Por isso, é uma modificação problemática, inclusive, para o ministro da Justiça. A concentração de poder sempre induz abusos, ou a percepção de que eles ocorrem, mesmo quando a lei possa estar sendo cumprida”.

Já o criminalista Augusto de Arruda Botelho analisa que a transferência do Coaf para o Ministério da Justiça se insere na tendência de aumento de punitivismo do Estado brasileiro. “Relatórios do Coaf são muitas vezes interpretados de forma equivocada e precipitam investigações injustas e inócuas. A tendência agora é esse quadro piorar”, prevê.

Além disso, a realocação do conselho passa a imagem de que ele agora tem natureza policial, o que pode dar margem a abusos, opina o criminalista Fabrício Oliveira Campos. Quando era submetido ao Ministério da Fazenda, ressalta, o Coaf tinha uma imagem não policial, necessária para preservar cidadãos de investidas persecutórias e garantir o sigilo bancário.

Isso mudou com a ida do órgão para o Ministério da Justiça. E a transferência pode levar à seletividade das decisões e ações do Coaf, pois, se antes o Ministério da Justiça era um dos integrantes do colegiado, agora é seu próprio gestor, observa Oliveira Campos, defendendo “máxima transparência” nas atividades do conselho para fiscalizar abusos e desrespeito a regras.

Se a lei for respeitada, não faz diferença o Coaf estar no Ministério da Fazenda ou no Ministério da Justiça, diz o professor da USP Gustavo Badaró. Afinal, a Polícia Federal não pode pedir diretamente ao Coaf dados bancários – é preciso fazer esse requerimento à Justiça, a quem cabe decidir se as informações devem ou não ser compartilhadas.

Entretanto, Badaró considera que, em termos de uma maior garantia dos direitos individuais, seria melhor que o Coaf não estivesse na mesma estrutura da PF. Com os dois órgãos no Ministério da Justiça, há uma “tentação maior” de a Polícia Federal buscar dados bancários sigilosos. 

Outro lado
Por outro lado, Valdir Simão, ex-ministro do Planejamento e da Transparência, afirma que o novo Estatuto do Coaf aperfeiçoa suas competências e o processo administrativo sancionador nos ilícitos de lavagem de dinheiro. Com isso, a atuação do órgão deve ficar mais célere e efetiva, acredita Simão.

“Sua [do Coaf] vinculação ao Ministério da Justiça e Segurança Pública demonstra a importância do órgão para o enfrentamento da corrupção e do crime organizado”, declara o ex-ministro.

Trecho de texto publicado originalmente no Consultor Jurídico em 02/01/2019.