Em outros tempos a circunstância se aproximaria do inimaginável, mas, no Brasil de hoje, representantes de variadas corporações da elite política e econômica encontram-se ao alcance das mais rigorosas decisões judiciais.Levando-se em conta apenas o âmbito da Operação Lava Jato, que investiga o esquema de corrupção na Petrobras, foram presos alguns dos principais empreiteiros do país, um dos maiores banqueiros, um ex-ministro da Casa Civil e um senador da República –ninguém menos que o líder do governo nessa Casa legislativa.

Os benefícios dessa nova realidade são inquestionáveis; a diferença de peso na balança da Justiça constitui dimensão especialmente cruel da desigualdade.

Há sinais muito claros, contudo, de que está em curso o fenômeno da hipercorreção no sistema judicial. Procurando sanar uma evidente distorção, responsáveis pelas investigações e sobretudo magistrados têm incorrido em outro erro de grandes proporções.

Muitos dos investigados têm sido mantidos atrás das grades sem que exista nada parecido com um julgamento definitivo. A opção pelo encarceramento provisório, no entanto, só deve ser evocada quando a aplicação de medidas alternativas –suspensão da função e tornozeleira eletrônica, por exemplo– se mostrar incabível.

O problema, como esta Folha já afirmou diversas vezes, é generalizado. Em torno de 40% da população carcerária (que atualmente passa de 600 mil pessoas) não recebeu condenação inapelável.

No caso específico da Lava Jato, alegações vagas sobre a possibilidade de que os réus insistam na prática dos crimes ou interfiram nas investigações têm bastado para privá-los da liberdade.

Pior: vários deles têm a prisão provisória decretada com base em simples testemunhos, que qualquer estudante de direito sabe classificar como a mais frágil das provas.

Tais exageros não podem continuar. Vale destacar o que disse Augusto de Arruda Botelho, presidente do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), em entrevista a este jornal: “Fico incomodado com esse discurso de caça às bruxas, de que corrupção deve ser combatida de qualquer forma e a qualquer preço”.

Assinalando que a corrupção naturalmente precisa ser enfrentada, Botelho reiterou que “esse combate deve ser sempre feito no estrito respeito aos direitos”.

É surpreendente, e no fundo preocupante, que o presidente do IDDD precise afirmar algo que a todos deveria ser tão óbvio.

Texto publicado originalmente na Folha de S. Paulo.