STF admitiu que réus cumpram a pena antes de o processo chegar ao fim.
“Pode gerar retrocesso”, diz presidente da seccional paulista da OAB.

O Supremo Tribunal Federal (STF) admitiu nesta quarta-feira (18) que um réu cumpra pena após condenação em segunda instância, mesmo que o processo não tenha chegado ao fim.  Veja a opinião de advogados, juízes e membros do Ministério Público sobre a decisão.

Antonio Carlos de Almeida Castro, advogado de investigados na Operação Lava Jato
“É uma lástima. O processo penal brasileiro tinha como base a dignidade da pessoa humana, uma visão mais europeia do que americana. Acho que atendendo ao clamor popular, o que é uma coisa perigosíssima, o Supremo fez essa mudança de jurisprudência. No ano passado, 25% das decisões criminais de condenação foram revistas pelo Supremo. Se vigir essa jurisprudência, 25% teriam cumprido pena de forma injusta.

Não se pode pegar os Estados Unidos como parâmetro. Se isso [a garantia de não cumprir a pena até o fim do processo] é uma jabuticaba brasileira, é uma excelente fruta. Estávamos dando um passo a frente e agora estamos dando dez passos atrás.”

Marcos da Costa, presidente da seccional paulista da OAB
“É um equivoco que pode gerar um retrocesso para a cidadania no Brasil. No passado recente, o próprio Supremo, através de seu presidente, na época era Cezar Peluso, encaminhou ao Congresso uma Proposta de Emenda à Constituição buscando fazer o que o Supremo fez ontem, e o Congresso não aprovou. Aí, sete ministros consideram que o Congresso não fez a atuação que eles querem, vão e fazem a alteração da norma que é uma cláusula pétrea da Constituição.

“A justificativa é de que ‘estou dando satisfação a uma demanda social’. O Poder Judiciário é dos três Poderes o único que não pode se submeter a pressões sociais. [E] o problema da morosidade da Justiça é intrínseco ao próprio Judiciário. Não pode, por uma falta de estrutura dele, transferir o ônus de uma morosidade aos ombros do cidadão.”

Augusto de Arruda Botelho, presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa

“Eu acho uma decisão trágica, que desrespeita a Constituição, assustadora justamente porque vem de uma Corte que tem como função ser guardiã da Constituição. O Supremo me parece que simplesmente não observou que uma grande quantidade de [condenações em] casos criminais têm sua decisão revista perante o [próprio] Supremo.

Isso vai causar um caos no nosso sistema penitenciário que já é completamente caótico. [O Brasil tem] a quarta maior população carcerária do mundo, temos um déficit de vagas gigantesco. Enquanto Rússia e Estados Unidos estão revendo sua política de encarceramento, o Supremo vai na contramão.”

Sergio Moro, juiz federal responsável pela Operação Lava Jato

“O Egrégio Supremo Tribunal Federal, com respeito a minoria vencida, tomou uma decisão essencial para o resgate da efetividade do processo penal brasileiro. No processo penal, assim como no cível, há partes, o acusado e a vítima de um crime. Ambos têm direito a uma resposta em um prazo razoável. O inocente para ser absolvido. O culpado para ser condenado.   Não há violação da presunção de inocência já que a prisão opera somente após um julgamento condenatório, no qual todas as provas foram avaliadas, e ainda por um Tribunal de Apelação. A decisão do Supremo só merece elogios e reinsere o Brasil nos parâmetros sobre a matéria utilizados internacionalmente. A decisao do Supremo fechou uma das janelas da impunidade no processo penal brasileiro”.

Antônio César Bochenek, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil

“Esse é um dos principais pontos da nossa a agenda. A mudança na interpretação da lei emanada pelo plenário da Suprema Corte reforça a adequação e pertinência da nossa proposta.”

“A decisão do Supremo Tribunal Federal, revendo entendimento que sempre encontrou oposição às teses do Ministério Público paulista, representa mais um importante marco na luta contra a impunidade.”

Márcio Elias Rosa,
Procurador-Geral de Justiça de São Paulo

Márcio Elias Rosa, Procurador-Geral de Justiça de São Paulo

“A reversão do entendimento anterior, que postergava a real aplicação da lei, tornando por vezes inócua a decisão penal condenatória, representa um marco significativo contra a impunidade e não fustiga a presunção de inocência, mas privilegia os pronunciamentos do Judiciário.

A decisão do Supremo Tribunal Federal, revendo entendimento que sempre encontrou oposição às teses do Ministério Público paulista, representa mais um importante marco na luta contra a impunidade.”

Victor Hugo Azevedo, 2º vice-presidente da Associação Nacional de Membros do Ministério Público e promotor de Justiça do Rio Grande do Sul

“Um dos [elementos] que mais contribuía para esse sentimento de impunidade é justamente a dificuldade que se tinha de executar decisões [de condenação]. O Brasil é um dos únicos países que ainda tinha esse sistema de aguardar o trânsito em julgado, de aguardar o julgamento do último recurso, por mais formal e protelatório que ele pudesse ser.
O erro é inerente da atividade humana e temos que ter os instrumentos de reparação [para pessoas que cumpram pena e, posteriormente, tenham a condenação revista por um tribunal superior].”

Placar

O STF decidiu autorizar a prisão após decisão de 2ª instância por 7 votos a 4. Votaram para a favor os ministros Teori Zavascki (relator), Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. De forma contrária, votaram Rosa Weber, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski.

Texto publicado originalmente no G1.