Por Joana Cunha

Para estudiosos do direito, proibição de realização de entrevista com Lula contém erros no conteúdo e na forma

A decisão tomada na sexta-feira (28) pelo ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal), proibindo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de conceder entrevista à Folha na prisão foi classificada como equivocada por advogados especialistas e entidades.

No mesmo dia, pela manhã, o ministro Ricardo Lewandowski havia autorizado a colunista Mônica Bergamo a entrevistar Lula, preso em Curitiba desde 7 de abril após ser condenado em segundo grau na Lava Jato por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

A medida de Fux traz erros no conteúdo e na forma, de acordo com o advogado Augusto de Arruda Botelho, ex-presidente e conselheiro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa. 

“A decisão do Lewandowski era monocrática, que é diferente de uma decisão liminar. Ele já tinha julgado o pedido como um todo. Não era uma decisão precária que seria levada para o colegiado, que poderia referendar. A forma como essa decisão foi cassada é atípica”, diz Botelho.

Sob o ponto de vista do conteúdo, diz o advogado, o aspecto mais grave está no fato de Fux ter apontado que, caso a entrevista já tivesse acontecido, não poderia ser divulgada. “O ministro escreve sem pudor que se a entrevista já foi colhida, não pode ser publicada. Isso é censura prévia”, diz Botelho.

Foi uma sucessão de erros, na opinião do advogado Lenio Luiz Streck, ex-procurador de Justiça e membro catedrático da Academia Brasileira de Direito Constitucional.

“Ele [Fux] não demonstrou onde estava o perigo à ordem pública. Isso que o ministro Lewandowski havia deferido nem era uma liminar dessas que podem ser cassadas. E o partido político que fez o pedido não é pessoa jurídica de direito público, portanto, esse pedido deveria ter sido rechaçado”, diz Streck.

A autorização dada por Lewandowski na manhã daquele dia atendeu a uma reclamação do jornal que argumentou que decisão da 12ª Vara Federal em Curitiba proibindo a entrevista impedia o livre exercício do jornalismo.

A suspensão fora pedida pelo Partido Novo. A candidatura de Lula foi barrada pela Justiça com base na Lei da Ficha Limpa, e o PT lançou Fernando Haddad em seu lugar.

Rubens Glezer, professor de direito constitucional da FGV Direito SP, considera o caso institucionalmente preocupante para o STF porque o coloca no centro de um conflito político.

“É mais uma decisão que evidencia conduta política do tribunal, ou que pelo menos eleva a percepção sobre a natureza política dele. Quem não gosta do Lula não deixa e quem gosta deixa. Isso cria um péssimo precedente sobre liberdade de expressão, estabelece censura e ajuda a agravar o cenário de perda de autoridade do STF”, diz Glezer.

O professor também aponta como “ironia” o fato de que o pedido para suspender a entrevista tenha sido iniciativa do Novo.

“O Partido Novo se coloca como defensor dos valores liberais mas, na primeira oportunidade que tem para derrubar a liberdade de expressão, o faz”, afirma Glezer.

Os advogados lembram que presos costumam ser entrevistados não só pela imprensa, mas também por pesquisadores em trabalhos acadêmicos.

“Se a Justiça decide que Adelio Bispo [agressor do presidenciável Jair Bolsonaro] e Fernandinho Beira-Mar podem dar entrevista, por que um preso que tem prerrogativa de ex-presidente não poderia?”, questiona Streck.

Para o advogado Fábio Tofic Simantob, houve quebra da liberdade de expressão. “A essência da liberdade de expressão é tolerar qualquer manifestação, mesmo a que mais nos desagrada. Quando não somos capazes de entender isto, é porque a democracia já sucumbiu”, afirma Tofic.

A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) afirmou que a proibição determinada por Fux é censura e que é “alarmante” que o tribunal equipare entrevistas com campanhas políticas.

“A Abraji vê com extrema preocupação o fato de ter saído do Supremo Tribunal Federal, guardião máximo dos direitos estabelecidos na Constituição, uma ordem de censura à imprensa e de restrição à atividade jornalística”, afirmou a entidade em nota.

No sábado (29), a ABI (Associação Brasileira de Imprensa) havia manifestado a defesa da liberdade de expressão, mas também a proibição legal de entrevistas por detentos.

Texto publicado originalmente na Folha de S. Paulo.