Por Augusto de Arruda Botelho e Isadora Fingerman

Foi apresentado publicamente, no último dia 28 de maio, o Programa Segurança sem Violência, inciativa do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Ministério da Justiça, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Conselho Nacional dos Defensores Públicos Gerais (CONDEGE) e Conselho Nacional dos Secretários de Estado de Justiça, Cidadania, Direitos Humanos e Administração Penitenciária (CONSEJ).

No documento, o grupo de trabalho interinstitucional reconheceu, na direção do que há muito tempo sustenta o Instituto de Defesa do Direito de Defesa – IDDD, que a elevação do nível de encarceramento não implica na redução da sensação de insegurança, nem tampouco na diminuição das taxas de criminalidade. Ao contrário, segundo o relatório recentemente apresentado “a vivência prisional se revela autêntica causa de violência”.

Prova disso é que muito embora a população carcerária brasileira tenha dobrado em uma década , alcançando a vergonhosa marca de 715.655 presos (incluindo as prisões domiciliares) , os índices de criminalidade não deixaram de subir; ao contrário, só nos últimos cinco anos, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes no Brasil cresceu 15,3% .

Os dados indicam que quanto mais se prende, mais se agravam as precárias condições dos nossos estabelecimentos penais, violando-se direitos fundamentais daqueles que estão privados de sua liberdade e fortalecendo as organizações criminosas que dessa massa de detidos se alimenta, sem, contudo, alcançar qualquer impacto positivo na segurança pública.

O fracasso da atual política criminal, adotada tanto pelo Governo Federal quanto pelos diversos Governos Estaduais país afora, pautada quase que exclusivamente na prisão, pode ser medido também pelo elevado índice de reincidência, que gira em torno de 70%.

A prisão – seja ela pena ou cautelar – é incapaz de solucionar o problema de segurança pública que assola nosso país e que tanto permeia o debate eleitoral. É necessário, portanto, olhar em nova direção, procurando soluções diversas para os problemas postos: precisamos prender menos e com mais racionalidade, encontrando respostas mais adequadas ao fenômeno da criminalidade, aptas a pacificar a sociedade e ressocializar o delinquente.

Nessa perspectiva, desde 2000, alguns esforços – sobretudo na esfera federal – têm sido direcionados para o desenvolvimento de uma política de alternativas penais no Brasil. O mais concreto deles talvez seja a promulgação da Lei Federal nº 12.403, de 2011, que introduziu em nosso ordenamento jurídico uma série de medidas cautelares alternativas à prisão provisória.

No entanto, o que se verifica na prática, infelizmente, é a imensa dificuldade de reverter a cultura vigente do encarceramento e, com isso, a resistência dos juízes para aplicar medidas cautelares diferentes da prisão.

Recente pesquisa publicada pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa – IDDD indica que, quando da análise da legalidade da prisão em flagrante e sua possível conversão em custódia preventiva pelos juízes do Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária de São Paulo (DIPO-SP), em 49,71% dos casos optou-se pela prisão e em 5,23% pela liberdade provisória sem fiança . Embora o percentual de 44,77% de casos nos quais tenha sido aplicada uma medida cautelar alternativa à prisão possa parecer elevado e satisfatório, uma leitura mais detida do relatório de pesquisa indica que em 33% desses casos a medida cautelar aplicada foi a fiança.

O dado deve ser encarado com bastante preocupação quando temos em conta o perfil do preso atendido pelo projeto, com pouca ou nenhuma condição financeira de suportar o pagamento do valor arbitrado: um jovem de 18 a 34 anos (74%), com baixa escolaridade (68% tem no máximo o grau fundamental completo) e com renda de até três salários mínimos (84%).

A utilização mais criteriosa da custódia cautelar – que representa hoje aproximadamente um terço das prisões brasileiras – seria suficiente para corrigir, ou pelo menos mitigar, os efeitos perversos do seletivo sistema de justiça criminal vigente, contribuindo para a redução da superlotação carcerária e, consequentemente, dos índices de criminalidade.

Para tanto, inovações legislativas que busquem emprestar cada vez mais rigor ao exame da legalidade da prisão em flagrante e da necessidade e adequação da custódia cautelar merecem ser encaradas com absoluta prioridade por nossos legisladores.

A introdução da audiência de custódia no nosso ordenamento jurídico, prevista no Projeto de Lei nº 554/2011 do Senado Federal, por exemplo, é um exemplo de medida urgente que pode e deve ser tomada pelo Congresso Nacional para assumir papel de absoluto protagonismo na solução do drama que assola o sistema de justiça criminal brasileiro.

A proposta legislativa, de autoria do Senador Antônio Carlos Valadares, prevê a obrigatoriedade da apresentação pessoal do réu preso a um juiz no prazo de vinte e quatro horas, em observância à norma insculpida no artigo 7o da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil em 1992.

Em boa hora vieram, ainda, as contribuições ao projeto de lei do Senador João Capiberibe, cujo texto substitutivo já foi aprovado à unanimidade pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) e pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), ambas do Senado Federal.

É na audiência de custódia que o juiz decidirá pela necessidade ou não da manutenção da prisão provisória ou pela aplicação de outra medida cautelar, bem como poderá identificar, prevenir e combater maus tratos, torturas e práticas extorsivas que insistem em permear o cotidiano das delegacias de polícia do país.

Não poderia ser mais oportuna a aprovação da festejada iniciativa pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde hoje tramita o projeto, sob relatoria do Senador Humberto Costa. Seria, sem espaço para dúvida, uma maneira de o Senado Federal encerrar a presente legislatura colaborando para colocar o país um pouco mais no trilho de um sistema de justiça criminal compatível com o Estado Democrático de Direito que o Brasil pretende ser.

*Augusto de Arruda Botelho é Diretor Presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa e Isadora Fingerman é Coordenadora-Geral da mesma instituição.

Texto publicado originalmente em O Estado de São Paulo.